“Uma nova versão para o Balé Romeu e Julieta, a partir da obra de Shakespeare, foi escolhida pelo Balé Teatro Guaíra para abrir sua temporada anual. Sem dúvida, trata-se de uma bela oportunidade para se constatar como está a atual situação dessa que é uma das principais companhias oficiais do país e a mais importante e mais antiga do estado do Paraná.
Na verdade, a transformação da obra Romeu e Julieta para a dança foi, desde sempre, uma sucessão de versões para a partitura composta por Prokofiev em 1935. A que nos é apresentada agora foi assinada pelo coreógrafo Luiz Fernando Bongiovanni e carrega consigo marcas de uma contemporaneidade que nos instiga a algumas reflexões urgentes.
Por não haver uma coreografia, digamos, definitiva desse balé, as versões acabam por ser, elas mesmas, traduções de um ideário que seria uma possibilidade de contar essa trama que se tornou tão popular entre nós. Contudo, o que permanece em quase todas as versões é um modo “balético” dessa narrativa, da qual Bongiovanni não escapa ao (re)criá-lo para o Balé Teatro Guaíra.
Esse dado interessa porque permite pensar como a assinatura coreográfica que indicia percursos da dança contemporânea estabelece um diálogo possível com a tradição através do formato cênico escolhido. Em uma palavra: como dança contemporânea se adequa na estratégia narrativa que se estrutura como balé. Como a qualidade de movimentação proposta por Bongiovanni reverbera na necessidade da presença da pantomima, por exemplo, como artifício que garante a inteligibilidade da história.
Na versão que aqui se apresenta, tal adequação titubeia ao longo do espetáculo. E é justamente nos momentos mais icônicos da obra, como a cena do balcão, no primeiro ato, e a última cena do segundo, em que o coreógrafo parece estar em seus ajustes de uma dança que ainda tem como tarefa contar história. Nessas cenas, o que se pode ver é uma economia justa ao que a própria obra Romeu e Julieta já possui como como força dramática, sem se preocupar em evidenciá-la ainda mais. Não à toa, por exemplo, são nessas cenas que que cenário e figurino também se tornam econômicos, numa harmonia completa na cena. Aliás, o acerto no cenário, idealizado por Carlos Kur e Cleverson Cavalheiro, trabalhando antes com índices que apenas propõem ambientes, não encontra eco no figurino por demais exagerado e tão figurativo, e por isso óbvio, de Paulinho Maia.
O mais interessante, contudo, é observar como a companhia está em ótima fase. Todo o conjunto responde satisfatoriamente as desafios propostos pelo coreógrafo, mas alguns merecem menção. Rodrigo Mello, como a ama de Julieta, provou que possui o timing para cômico, abusando da teatralidade. O resultado é uma reação imediata do público. Mas apenas para pensar: o quanto de balé existe nessa atuação? A lembrança, por exemplo da personagem Simone do balé La Fille Mal Gardée, também feito em travesti, torna-se inevitável.
Mas é na atuação preciosa de Alessandra Lange, Como Julieta, e Fábio Valladão, como Romeu, que toda a construção coreográfica se apóia. Nas cenas citadas, como a do balcão e a última do balé, o grau de cumplicidade atingido entre os dois é de um rigor absoluto, pois combina as qualidades inerentes da dança de cada um com a proposta estética de Bongiovanni. O resultado é primoroso.
Assistir a essa versão de Romeu e Julieta é mesmo uma oportunidade para se pensar na relação do balé com a contemporaneidade. Por colocar essa questão de forma tão precisa, Bongiovanni já acertou. Mas contando ainda com o Balé Teatro Guaíra como lugar dessa investigação, tudo ganha uma dimensão maior. E, com certeza, também melhor.
Roberto Pereira”
Fonte: Site Teatro Guaíra
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